Semana passada escrevi um relato sobre a minha experiência de amamentação em meio a um turbilhão em que minha vida se transformou devido a um problema de saúde. Escrever o relato foi uma experiência interessante.
Tentei ser breve, objetiva, focar apenas na amamentação.
Ao mesmo tempo que foi interessante, foi doloroso reviver minha experiência - e difícil não me perder nas emoções.
O relato foi publicado no blog de duas queridas : Bianca Balassiano Najm e Ana Garbulho. Esta experiência me deu vontade de voltar a escrever.
E agora, publico aqui:
Sim, eu consegui!
No que seria uma consulta de rotina pós-parto (Nina tinha 36
dias), uma pedra apareceu no meu caminho – literalmente. Eu, que estava
planejando experimentar as aulas de dança e yoga para mães e bebês depois dessa
consulta, começaria uma rotina de torturantes exames que culminariam em uma
cirurgia grande e invasiva. Nina acabara de completar um mês de vida.
O primeiro exame foi simples: uma ultrassonografia que
detectou uma massa gigante no meu abdômen (não no útero, mais acima – por isso não
detectada durante a gestação) e teria que continuar “investigando”, ou seja,
passar por uma bateria de exames. Naquele momento, minha maior preocupação era
continuar a amamentar minha pequena – a preocupação de todos ao redor (médicos,
pai, mãe, marido...) era comigo e, para eles, isso (amamentar) não era
prioridade. Mas para mim era – e muito. E começou uma guerra, literalmente, uma
guerra, para não parar de amamentar a Nina no meio da montanha russa que minha
vida virou.
Pra começar, as informações truncadas – para qualquer
pergunta há sempre muitas respostas diferentes, muito diferentes. E quando você
está absurdamente fragilizada, com medo, insegura, escolher “em quem acreditar
e brigar com o resto do mundo” não é tarefa simples.
O próximo exame era uma ressonância – com contraste. Nas
orientações do laboratório, de 24 a 48h sem amamentar. Assim. Mas como assim? O
que significa DE 24 A 48 horas? 24 é muito diferente de 48 – e, além disso, eu
não sabia ordenhar (tentei e não consegui com minha filha mais velha). A
pressão era para marcar o exame com urgência, para o dia seguinte (uma sexta).
Marquei pra segunda, ganhei 3 dias. Surtei. Chorei. Solucei. Desesperei-me.
Sabia que este exame não seria o final e sim o início de uma jornada que não
tinha ideia de como seria.
Precisava aprender a ordenhar – minha GO me deu o contato da
Ana Garbulho, que em menos de uma hora, estava na minha casa (deixando a bebê
dela com leite ordenhado em casa). Meu marido foi buscar uma bomba de tirar
leite alugada, uma vizinha e mãe de um amigo da minha filha mais velha foi buscá-la
na escola, deu jantar e banho. Agradeço por ter aprendido a ordenhar sem me
machucar. Ordenhar manualmente, ordenhar com a máquina. Congelar, descongelar.
Quanto de leite mama um bebê em livre demanda? Como fazer as porções? As duas
horas que a Ana ficou aqui comigo foi essenciais na minha jornada. E meu foco
passou a ser ordenhar. Ordenhar e ordenhar. O medo com os exames, com os
procedimentos que estavam por vir, com o que eu tinha na barriga, com a
possível cirurgia, com a dor, esse medo estava presente sim, mas em segundo
plano. Para mim, a prioridade passou a ser manter a amamentação no meio do
caos.
Três semanas se passaram entre a consulta e a cirurgia.
Foram 24h (para a ressonância) + 48h (para a tomografia) + 4h (para a
endoscopia) sem poder amamentar minha filha. Nesses dias (horas contadas) ela
tomou o meu leite na mamadeira (as pessoas que gentilmente me ajudaram a ficar
com a Nina durante os exames não conseguiram dar no copo ou na sondinha) e
depois voltou pro peito. Ela ficou irritada no começo porque o leite, que antes
jorrava, passou a vir mais lento, afinal, eu estava ordenhando e estava
“abusando” da minha produção. O médico pediu para eu não tomar nenhum
medicamento para aumentar o fluxo, pois não sabíamos a origem do tumor. Então o
aumento de produção foi apenas “mecânico” e com água. Muita água. Houve,
também, dias em que não pude ordenhar, por ter que viajar para uma consulta e
ficar o dia todo fora, ou por ter que fazer jejum por muitas horas para exames.
Depois de todos os exames feitos e cirurgia marcada, ainda
não tinha o diagnóstico fechado. Quanto tempo vou ficar internada? Vou ficar no
CTI? Quando vou poder sentar? Que remédios vou ter que tomar? Vou poder pegar
minha filha no colo? Como será o corte da cirurgia? Quando vou poder cuidar das
minhas filhas? Para todas as minhas perguntas apenas uma resposta: depende.
Depende do que vamos encontrar quando abrir. A previsão de internação era de 2
a 10 dias. Precisava ordenhar. Muito. Mas não sabia quanto. Dessa vez não tinha
um objetivo claro.
Outro desafio: precisava transportar o leite ordenhado de SP
para o Rio (moro em SP, mas toda a família está no Rio, daí operar no Rio, para
poder ter o suporte). Precisava chegar sem descongelar. Não sabia quanto teria
no dia. As companhias aéreas não sabiam se podia ou não transportar LM. Nosso
plano (depois de muitas pesquisas e considerações): levar o LM em isopores
pequenos com gelo seco na mão. Levei uma carta da pediatra justificando o leite
e todos os meus exames comigo. Se não me deixassem passar, meu marido pegaria o
leite e iria de carro até o Rio. Passamos. O leite chegou super congelado, eu
tinha 49 porções. Ufa. Faltavam 4 dias para a cirurgia.
Fui para o hospital deixando 80 porções de leite no freezer.
Deu para 10 dias. Fiquei internada duas semanas. Pensava que seria possível
mandar leite para ela, mas não foi, por diversos motivos. Por conta da extensão
da cirurgia, fiquei 2 dias com dieta zero (sem água), depois, podia comer 50ml
a cada 4 horas (!), 100 ml a cada 4h, 100ml a cada 3h, depois liquido sem
restrição de quantidade, depois pastoso, depois, enfim... difícil produzir
leite e ordenhar sem comer, SEM BEBER, sem posição, com acessos, com dreno, com
dor, com interrupções para exames, enfim, difícil ordenhar no hospital.
Nos dias de internação tive o suporte fundamental da amiga e
consultora de amamentação Bianca Balassiano Najm. Além da linha direta com o
clínico, para pensar em alternativas melhores para os medicamentos do pós-cirúrgico,
ela foi ao hospital várias vezes, ordenhou (e hidratou meu seio no CTI ferido
por mãos de enfermeiras sem prática de ordenha – eu “ensinei” a fazer – que
manipulavam meu seio com luvas), foi um ombro mais do que amigo, me ajudou a
manter a cabeça no lugar nos momentos de desespero. Foi fundamental.
Uma semana depois da cirurgia, tive uma febre alta de 40
graus – precisei entrar com um antibiótico que, segundo os médicos (não há
consenso – mas não tinha mais forças para ler, pesquisar, argumentar, brigar)
não era compatível com amamentação. Precisava esperar o resultado da cultura
para saber qual antibiótico tomaria, por quanto tempo e se poderia ou não ter
alta (venoso ou oral) e amamentar.
Enquanto isso, o leite em casa acabou, Nina precisou tomar
fórmula. Chorei muito. Me senti derrotada. Mas continuei ordenhando – precisava
tentar. Neste momento, bastante debilitada, ordenhava 2 vezes por dia.
Ordenhava para não ter mastite. Ordenhava para não secar o leite. Pensei em
desistir – mas já tinha ido longe demais. Continuei. Estava cansada – cansada
de tudo. Será que meu esforço valeria a pena? Será que ela aceitaria o seio
novamente? Cheguei a ter medo de ela não me reconhecer... Afinal, ela completou
2 meses quando eu estava no hospital e ficamos 2 semanas afastadas...
Decidi que manteria a ordenha 2 vezes por dia e quando
pudesse me alimentar (e beber) normalmente novamente iria trabalhar para
aumentar a produção de leite. Depois de ter alta ainda precisei ficar 9 dias
sem dar o peito por causa do remédio. Aos poucos fui aumentando o número de
ordenhas diárias até me aproximar das mamadas dela. Conversando com um pediatra
amigo da família, decidi não usar nenhum medicamento para aumentar a produção
logo de cara e ver como seria. Comprei sondinhas para translactação. Aprendi a
observar sinais de desidratação. Preparei-me para o dia da retomada. Ao mesmo
tempo em que acreditava na retomada, tinha medo.
Chegou o dia. Não esperei que chorasse de fome, apenas
sentei com ela num cantinho confortável e ofereci o peito. Ela olhou, lambeu,
brincou com a língua, e mamou, mamou forte de um lado só – e o outro lado
vazou, molhou todo o vestido, como se quisesse me mostrar que era possível. Não
usei as sondinhas, não preparei mais fórmula, não fervi mais mamadeira. Naquele
dia ela fez muitos xixis e fez um cocô daqueles que vai até o pescoço. Ela não
estava desidratada. Ela dormiu bem (acordou 2 vezes ao invés de uma). Eu
consegui. Nós conseguimos.
Foram 22 dias sem oferecer o peito (10 com meu leite, 12 com
leite artificial). 6 semanas de ordenha, primeiro para guardar, depois para
desprezar o leite impróprio. 2 semanas sem ver minha filha. Ela voltou ao
aleitamento exclusivo.
Voltamos para SP 6 semanas e meia depois de sair com o leite
congelado. Dois dias depois, Nina teve uma consulta com a pediatra: ela
engordou e cresceu conforme sua curva. Eu consegui. Nós conseguimos.